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sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Apresentação tardia de hérnia diafragmática congênita na forma de abdome agudo obstrutivo

Apresentação tardia de hérnia diafragmática congênita na forma de abdome agudo obstrutivo

INTRODUÇÃO

A hérnia diafragmática congênita (HDC) é definida como a herniação de vísceras abdominais para o tórax consequente à malformação congênita do diafragma1. O defeito da hemicúpula diafragmática ocorre em torno da nona semana gestacional, podendo ser parcial ou total2, de forma isolada ou como parte de uma síndrome1.

A HDC é uma doença de baixa prevalência, com subtipos de classificações, que abrange sintomas e complicações a depender da localização da malformação diafragmática, ainda que o diagnóstico possa ser precoce e antenatal.

A partir da revisão bibliográfica sobre HDC e sua associação com abdome agudo obstrutivo, o presente trabalho atribui os dados descritivos de um caso clínico de apresentação tardia de hérnia diafragmática congênita, classificada como hérnia de Bochdalek (subtipo mais comum dentre as HDC), na forma de abdome agudo obstrutivo.

Dessa forma, objetiva-se contribuir com a comunidade científica ao expor a importância do diagnóstico precoce e do seguimento, priorizando evitar o desfecho raro da HDC na forma de abdome agudo obstrutivo, e assim minimizar o risco da urgência cirúrgica desta doença na forma complicada. Porém, também alerta que, mesmo no diagnóstico tardio, a importância da terapêutica otimizada corrobora ao bom prognóstico.


RELATO DO CASO

Paciente masculino, 3 anos, 15 quilos, previamente hígido, admitido no Pronto Atendimento da Santa Casa de Misericórdia de Franca no estado de São Paulo, apresentando quadro de dor periumbilical, do tipo cólica, há cerca de 20 horas, de início súbito, com intensidade progressiva e associado a náuseas. Segundo a acompanhante e mãe, o mesmo não apresentou febre, vômitos, alterações intestinais e não havia histórico de quadro semelhante prévio.

Ao exame físico, apresentava-se em regular estado geral, estável hemodinamicamente, eupneico e com roncos esparsos em hemitórax esquerdo, com palpação abdominal dolorosa difusa e contração voluntária da musculatura.

Os exames laboratoriais gerais apresentavam hemograma sem padrão infeccioso, urina 1 com presença de discreta proteinúria e proteína C reativa de 0,7.

Aos exames de imagem (Figuras 1 e 2), radiografia simples de tórax e abdômen e tomografia de tórax e abdômen total com contraste via oral, evidenciaram-se imagens sugestivas de alças intestinais no hemitórax esquerdo, comprimindo o pulmão e desviando o mediastino, sugestivas de hérnia diafragmática à esquerda, bem como distensão gasosa de alças intestinais.

Figura 1. Radiografia de tórax e abdomen simples 

Figura 2. Tomografia de tórax e abdômen total com contraste via oral

Indicada abordagem cirúrgica em caráter de urgência, sendo submetido à laparotomia exploradora, por meio de incisão subcostal esquerda, sob anestesia geral. No intraoperatório, evidenciou-se encarceramento do cólon transverso e do baço em hemitórax esquerdo. Ao reduzir o conteúdo herniado, que não apresentava sinais de sofrimento, foi possível observar: anel herniário, de cerca de cinco centímetros, em região póstero-lateral esquerda do diafragma; ausência de saco herniário; e distensão colônica a montante. Foi realizada rafia deste anel com pontos simples e separados de fio de poliester. E, imediatamente após a correção descrita, visualizou-se expansão pulmonar à esquerda com concomitante melhora dos parâmetros ventilatórios e da capnografia. Não houve intercorrências durante o procedimento.

O paciente foi encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica onde fora realizado o pós-operatório imediato. Evoluiu sem intercorrências hemodinâmicas ou ventilatórias, sendo submetido à extubação após quatro horas no pós-operatório. Fora prescrito jejum e sintomáticos e mantida sonda nasogástrica em drenagem.

Durante a evolução no pós-operatório, apresentava-se com distensão abdominal, ruídos hidroaéreos aumentados e abdome doloroso à palpação difusa, ausência de evacuações mesmo ao estímulo retal e débito da sonda nasogástrica com variação de 12 a 16ml/kg/dia (180ml no primeiro dia pós-operatório; 200ml, no segundo; 180ml, no 7 terceiro; 240ml, no quarto, contabilizados em 24 horas). No quarto dia pós-operatório, diante da evolução clínica não favorável, foi solicitada radiografia de abdômen agudo (Figura 3), sendo então indicada reabordagem cirúrgica.

Figura 3. Radiografia de abdomen agudo na incidência decúbito - evidencia-se alça sentinela

Ao inventário da cavidade, presença de grande quantidade de secreção fecaloide consequente à perfuração puntiforme em delgado a cerca de 60 centímetros da válvula ileocecal. Realizado debridamento dos bordos deste achado e enviado material para avaliação anatomopatológica, seguido de enterorrafia local com pontos separados e limpeza exaustiva da cavidade. Durante o procedimento, não houve intercorrências. O anatomopatológico evidenciou à microscopia, fragmento de parede muscular do íleo exibindo inflamação exsudativa.

O pós-operatório foi realizado em enfermaria pediátrica, sendo prescritos jejum via oral, nutrição parenteral parcial, antibioticoterapia empírica parenteral com gentamicina e metronidazol, hidratação parenteral e sonda nasogástrica em drenagem.

O paciente evoluiu de modo esperado e favorável, com decréscimo gradativo do débito da sonda nasogástrica, sendo esta retirada no sexto pós-operatório, e com reestabelecimento do trânsito intestinal.

Porém, no oitavo dia pós-operatório, foi diagnosticada infecção superficial da ferida operatória, sendo ampliado espectro da antibioticoterapia empírica para cefepime e vancomicina, em conduta conjunta com a comissão de infecção intra-hospitalar.

Após 48 horas da instituição do tratamento, o paciente apresentou melhora clínica-laboratorial significativa e recebeu alta hospitalar com a prescrição de antibioticoterapia via oral complementar com cefalexina e a programação de retorno ambulatorial precoce.

No retorno ao ambulatório de cuidados pós-operatórios, acompanhado pela mãe, paciente negou queixas ou intercorrências, referia boa aceitação da dieta, sem alterações do hábito intestinal. Recebeu alta da equipe de cirurgia pediátrica e orientações quanto ao seguimento rotineiro com a pediatria.


DISCUSSÃO

Segundo documento de atualização da Sociedade Brasileira de Pediatria, a prevalência da HDC é de 2,3 a cada 10.000 nascimentos e, se avaliada de forma isolada, 1,3 a cada 10.000, sendo mais prevalente no sexo masculino (1:0,69)2.

A HDC é classificada como Bochdalek, Morgani e hérnia do Hiato Esofágico a partir da sua localização. Cerca de 90% das anomalias congênitas do diafragma são classificadas como Bochdalek, as quais apresentam defeito no segmento póstero lateral do diafragma, podendo ser unilaterais ou bilaterais, com habitual apresentação à esquerda. Assim o caso relatado acima, embora raro na totalidade dos casos de HDC e complicações, às custas da sua ocorrência na forma complicada, apresentou-se na forma mais comum dentre estas.

O diagnóstico geralmente é feito no pré-natal com o auxílio do ultrassom (USG), que detecta em torno de 50% dos casos1,4 com idade gestacional entre 22-24 semanas e pode avaliar a gravidade de uma das principais complicações: a hipoplasia pulmonar. O USG tridimensional, a ecocardiografia fetal e a ressonância magnética fetal são outras formas de diagnóstico pré-natal1. Os sinais de estase gástrica ou intestinal, quando repletos de líquido e/ou com nível hidroaéreo, a ausência de bolha gástrica e a polidrâmnia podem sugerir HDC3. Na presença de herniação intermitente das vísceras, o diagnóstico de pequenas hérnias pode ser tardio4, assim como ocorreu com o paciente em questão, o qual apresentava a doença congênita não identificada previamente e foi diagnosticado apenas quando diante de uma complicação rara desta, na forma de abdômen agudo obstrutivo. Nos casos de diagnóstico tardio, a radiografia de tórax e a tomografia computadorizada são necessárias para diferenciar de outras patologias respiratórias ou abdominais3, razões pelas quais foram as condutas adotadas no presente caso.

O quadro clínico é variado, a depender do grau de hipoplasia pulmonar, da deficiência de surfactante e se há outras anormalidades associadas. De acordo com a gravidade da apresentação, estas crianças podem ser classificadas em três grupos. No primeiro, aqueles que apresentam pouco ou nenhum desconforto respiratório ao nascer, pois apresentam hipoplasia e hipertensão pulmonar mínimas e seu diagnóstico pode ser feito tardiamente na adolescência - como no caso descrito - ainda que, tenha ocorrido em um período pré-escolar sem outros correlatos descritos na literatura. Já no segundo, compõe-se daqueles com hipoplasia pulmonar incompatível à vida extra-uterina. No terceiro, aqueles com sinal precoce de desconforto respiratório, porém, com boa resposta aos cuidados pré-operatórios, devido à hipertensão pulmonar e à presença de tecido compatível com a vida3.

O tratamento é sempre cirúrgico, porém, devido aos variados graus de hipertensão pulmonar associados à hérnia, não é considerado uma emergência cirúrgica.

Já aqueles com diagnóstico tardio associado a complicações, há indicação de urgência1,3,4, como conduzido o caso do paciente no presente relato diante do desfecho de abdômen agudo obstrutivo.

O procedimento cirúrgico pode ser realizado por via abdominal ou torácica e através de cirurgia aberta ou minimamente invasiva (laparoscopia ou toracoscopia). No presente relato de caso, optou-se pela abordagem laparotômica convencional, por meio da incisão subcostal à esquerda, ao realizar a redução dos órgãos herniados e o fechamento do orifício herniário no diafragma, não sendo necessária a sobreposição de tela ou de tecidos compatíveis, como o pericárdio bovino1.

Por fim, o caso relatado é relevante e significativo dado à escassez literária correlata da apresentação de obstrução intestinal (tardia), não usual e rara, numa criança com hérnia diafragmática congênita.

REFERÊNCIAS

1. Gallindo R, Gonçalves F, Figueira R. Manejo pré-natal da hérnia diafragmática congênita: presente, passado e futuro. Rev. Bras. Ginecol. Obstetr. 2015;37(3):140-147. doi: 10.1590/S0100-720320150005203.

2. Ferri W. Hérnia Diafragmática congênita: Conduta atual. In: Sociedade Brasileira de Pediatria. PRORN Programa de Atualização em Neonatologia: Ciclo 15. Porto Alegre: ArtmedPanamericana; 2018. p. 109-38.

3. Wung JT. Hérnia diafragmática congênita. In: Moreira MEL, Lopes JMA, Carvalho M (Orgs.). O recém-nascido de alto risco: teoria e prática do cuidar. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2004. p. 509-24.

4. Santos E, Ribeiro S. Hérnia diafragmática congênita: artigo de revisão. Acta Obstet Ginecol Port. 2008;2(1):25-33.

5. Tannuri U, Ceccon MERJ. Hérnia Diafragmática congênita: Como conduzir? In: Sociedade Brasileira de Pediatria; Procianoy RS, Leone CR, organizadores: PRORN Programa de Atualização em Neonatologia: Ciclo 12. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2015. p. 9-30.

6. Rossi F, et al. Abordagem ventilatória protetora no tratamento da hérnia diafragmática congênita. Rev. paul. pediatr. 2008;26(4):378-82. doi: 10.1590/S0103- 05822008000400012.

Fonte: https://relatosdocbc.org.br/detalhes/318/apresentacao-tardia-de-hernia-diafragmatica-congenita-na-forma-de-abdome-agudo-obstrutivo

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